Não quero mais usar a touca, a sensação de conforto que ela fornece, não me sustenta mais. Sinto-me prisioneira, refém do medo e a camuflagem torna-me frágil. Preciso estar dona de minha cabeça, sobreviver aos arranhões e não ficar a mercê do acúmulo de emoções. Sofrimento maior, já basta o de ser portadora de neoplasia maligna.
A decisão está tomada. Se não dá para impedir o visual aterrorizante, posso ao menos acelerar sua estadia. Passo a touca adiante e mando vir a máquina zero.
Escolho ser atendida no ateliê, por três motivos básicos: privacidade, comodidade e por ser o local da casa que mais gosto. Não suportaria chegar ao salão de beleza causando espanto e dó nas pessoas e por menos, chatear-me com a curiosidade das perguntinhas indiscretas. É no ateliê, rodeada de arte que fico inteiramente à vontade e feliz.
É chegada a hora. Antes de assentar, olho-me no espelho rapidamente e num gesto meio louco, aceno um tchau quase que debochado para a imagem expressionista refletida à minha frente e saio do stress. O cabeleireiro não faz comentários, acha graça e eu vou junto nas risadas.
Fim de mais uma batalha. Movimentos rápidos e precisos concluem meu pedido. Nesse instante mágico, O Grito ( 1893 ), de Much deixa minha mente e a refrescante sensação de uma enorme bala de eucalipto, refrigera-me a cabeça e segue até a alma.
Meu novo visual é contemporâneo, moda nas cabeças de todo o Mundo. Sei que irei sem molduras até o término da químio, mas não me queixo. De certa forma, isso me conduz ao que realmente aparento ser aos olhos de Deus.
Assim que puder, farei Arte da minha cabeça, agora raspada.